Estádios com belas histórias há por aí aos montes. Denominados de Monumentais, Gigantes, Olímpicos, Centenários ou terminados em aumentativos grandiloqüentes, eles procuram simbolizar a imponência de um determinado clube ou de uma cidade. Só que não há nome grandioso nem lendas bem contadas lá dos confins do mundo que se comparem ao que o vascaíno sente diante da sua casa consolidada no subúrbio carioca, feito medalha no peito da cidade.
O Estádio Vasco da Gama começou sua caminhada ganhando um nome adotivo, o honroso “São Januário”, santa denominação para a paixão vascaína. Templo, Catedral, Arena, Campo de Batalha, Prado, metáforas todos já ouviram e repetiram. O espaço em que a bola se relaciona com a humanidade ganha palavras mil que tentam decifrar o que se passa ali. Contudo, a Colina Sagrada ultrapassa, para nós vascaínos, as imagens mais usadas para caracterizar uma praça esportiva. Casa, lar, ancoradouro e porto seguro seriam apostas mais próximas do estilo navegante e desbravador do Almirante. Porém, palavra nenhuma no mundo conseguiria se aproximar da essência que corre por aquelas arquibancadas.
Como conseguir dimensionar o quilate de São Januário, um lugar em que cada centímetro da imensa arquitetura carrega um pouco dos vascaínos do Brasil e do mundo que um dia ali pisaram ou quiseram estar em fantasia? Quantos vivos e mortos passaram por São Januário? Não é de se banalizar ter uma casa que viu passar milhões e milhões de vascaínos diferentes em tempos tão opostos. O mesmo espaço, a mesma terra, a mesma geografia vendo a humanidade crescer e crescer. Um bebê nascido em 21/04/1927 hoje pode ter chegado aos 90 anos, mas beira a nossa corriqueira mortalidade. O estádio que ali sempre esteve segue impávido em direção às lonjuras do tempo, até o instante em que todos os vascaínos hoje vivos já não mais estejam. Os vascaínos passaram, passam e passarão pelas pedras de São Januário. O nosso estádio está em cada um de nós e para sempre estará.
Seria “eterno”, então, a palavra mágica para compreender a essência daquele chão?
Dou uma pausa na tentativa de compreender com vãs palavras o nosso estádio nonagenário e me lembro agora de um episódio curioso. Outro dia, numa esquina tijucana, passei por um sujeito vendendo laranjas. Nada mais banal não fosse o cheiro característico que pôs minha memória olfativa a funcionar, me levando a décadas atrás numa fração de segundo. Para minha surpresa, me vi diante dos portões de São Januário lá no início dos anos 80. As frutas descascadas estavam lá com seus vendedores de canivetes em punho. A nitidez da recordação era impressionante. Trazia consigo, de roldão, imagens aos montes do que era para um guri o estádio cruzmaltino. Saudadeei a Capela de Nossa Senhora das Vitórias apontada pelo pai. A sala de troféus vazia, vazia, apenas com um espelho a tornar infinito o panteão de conquistas vascaínas. A pista negra de atletismo em volta do campo. O placar trocado manualmente por um garoto lá longe. As camisas vascaínas de algodão ali tão perto, ao alcance da mão. A dona Dulce Rosalina sentada perto de mim. “Olha o Pai Santana ali ó!”. Em segundos, tinha um São Janu todo pra mim evocado por laranjas.
Todos fomos crianças um dia em São Januário. Como esquecer aquela infância de olhos escancarados para desbravar os segredos da nossa segunda casa? Quantas pequenas coisas descobrimos. O gosto do cafezinho tomado pelo tio angustiado com o resultado do jogo. Ficar olhando lá pra cima e tentar ver os locutores de rádio e televisão nas cabines. Xingar o juiz com palavrões muito maduros para um moleque de sete anos. Vibrar com um gol decisivo. Abraçar aquele grandão desconhecido e ser levantado nos ombros como um troféu. Chegar em casa e imitar as jogadas em peladas intermináveis. Perguntar pro pai sobre o jogo do domingo seguinte. Sonhar com voos sobre as arquibancadas vazias.
A límpida e cristalina verdade é que só os pequeninos cruzmaltinos entendem realmente o lar vascaíno, pois o captam com o encantamento do primeiro olhar. Compreender a história, a arquitetura, os fatos políticos que marcaram o estádio, recordar os grandes jogos, saber quais foram os craques nascidos naquele berço é mais que importante. Entretanto, a alma de São Januário vaga nos desvãos, nos corredores desconhecidos. É o inexplicável que o Homem cisma em tentar entender. A alma de São Januário brincará com cada um que tentar investigar, pesquisar, escarafunchar seus alicerces de tantas epopéias. Nenhuma lógica racional conseguirá um dia dar conta inteiramente do que é tamanha edificação. Para tanto só voltando a ser menino, mesmo que em puro devaneio, entrando no gramado sacrossanto de mãos dadas com craques de camisas vascaínas.
Para todo o sempre, respira em São Januário a alma cruzmaltina de milhões e milhões. E basta ser criança para entender a eternidade.
Rafael Fabro
Rafael, então voltemos todos a ser crianças para “entender a eternidade” e respirar a alma vascaína tão bem cantada por você.
Abraço fraterno, grande Fabro.Prazer enorme ler seus comentários sempre carregados de emoção.Sei que nem sempre é possível mas não deixe de nos visitar,ainda que esporádicamente aqui no CASACA.
Bela homenagem para esse vovô garoto que tantas alegrias nos deu, mais uma obra prima que você assina. Obrigado por tudo São Januário e Rafael Fábio.
Orgulho máximo de ser VASCAÍNO e ter um templo como São Januário para torcer e gritar pelo VASCÃO!!!
90 ANOS de lutas e vitórias, e de conquistas que vão muito além do futebol.
Obrigado diretoria por manter nosso complexo exportivo de São Januário bem conservado, reformado e ampliado!!!!
AO VASCO TUDO!
CASACA!
Sim, grande Rafael. Eu também tenho essas mesmas lembranças. Vou completar 62 anos. Já é um bom tanto de recordações.
Gostaria até de poder escrever algo sobre São Januário. Mas você e o Nóbrega já o homenagearam a altura.
Um forte abraço.