História
12

São Januário: 89 Anos do templo do povo

 

O Estádio Vasco da Gama completa 89 anos de história. Na ensolarada tarde de 21 de abril de 1927, coube ao major português, José Manuel Sarmento de Beires (1893-1974), a honra de romper a fita inaugural do estádio que ficaria popularmente conhecido como São Januário. Com a sua história de fundação sui generis e sua utilização ao longo do tempo como palco de grandes manifestações populares e marcos importantes para o país, a “casa vascaína” escapou da serventia tradicional de arena esportiva e se colocou no decorrer de sua gloriosa existência como parte da história política e cultural brasileira, tornando-se um verdadeiro patrimônio nacional.
O surgimento de São Januário remonta à luta do Vasco em poder colocar em prática a sua política de seleção de jogadores sem distinção de raça ou condição social. Na medida em que o Clube foi desenvolvendo o futebol, conquistando vitórias e aumento o seu número de adeptos, urgiu a necessidade imperiosa de construir-se um estádio que estivesse à altura da cada vez maior legião de vascaínas e vascaínos que inundavam os estádios cariocas.
O futebol do Vasco foi institucionalizado em 26 de novembro de 1915. A partir disso, o Clube passou a organizar a “secção” deste esporte e preparar-se para a disputa no ano seguinte da 3ª Divisão da Liga Metropolitana. O começo do futebol do Vasco teve inúmeros percalços, de ordem econômica, estrutural e de pressão política interna, na voz daqueles que não concordavam com a sua inserção na entidade. Entretanto, por intermédio de homens, como Raul da Silva Campos, Antonio da Silva Campos e Antonio de Almeida Pinho, o futebol do Vasco alinhou-se com o objetivo de elevar o Clube ao patamar daqueles que brigavam pelo maior título do futebol carioca.
O Clube a cada temporada montava equipes que proporcionavam um espetáculo qualificado e que chamava a atenção do público do “esporte bretão”. Com o passar do tempo, o Vasco foi gradativamente “unificando” grande parte dos membros da colônia portuguesa residente na Cidade do Rio de Janeiro e, concomitantemente, fez aumentar o número de torcedores das esferas mais baixas da sociedade carioca. A torcida vascaína crescia a olhos vistos na medida em que os membros das camadas populares enxergavam naquela equipe do Vasco a si próprios. Assim, o Vasco tornou-se um clube com imensa torcida, permitindo a entidade a angariar recursos que seriam fundamentais para chegar à principal divisão do campeonato da cidade.
Além de procurar por bons jogadores pelos subúrbios da cidade, outra política vascaína implementada pelos dirigentes da época para o desenvolvimento do futebol no Clube foi ir atrás das melhores áreas possíveis para treino e de estádios que pudessem ser alugados para sediarem os jogos da equipe vascaína. Os primeiros campos utilizados pelo Vasco para treinos e jogos de menor apelo foram:
1º Campo da Praia do Russel (1916);
2º Campo da Rua Barão de Itapagipe (1920);
3º Campo da Rua Moraes e Silva (1922);
Em 1923, seu ano de estréia na elite do futebol do Rio de Janeiro, o Vasco conquistou o Campeonato Carioca com uma equipe formada por atletas brancos e negros de baixa condição social, rompendo o paradigma que fora instalado desde o surgimento da competição em 1906. As elites administrativas dos clubes que historicamente haviam vencido o campeonato procuravam estabelecer a prática do futebol como instrumento de distinção social. Assim, jogadores com características semelhantes aos dos vascaínos não possuíam espaço nos times principais dos chamados “grandes clubes”.
O time dos “Camisas Negras” fez história. A equipe vascaína levou multidões aos campos metropolitanos e deu a certeza da grandeza que atingira o Vasco, tanto para os dirigentes vascaínos quanto para os seus rivais. No início de 1924, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense romperam com a Liga Metropolitana e criaram a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (Amea), com a justificativa de que era preciso salvar a “moralidade do futebol carioca”.
Convidaram o Vasco, que aceitou. No entanto, lhe foram impostas algumas condições, dentre elas: excluir 12 jogadores, não possuir status de clube fundador e jogar aos Sábados (o principal dia para a renda era aos Domingos). A intenção dos clubes das elites por meio da Amea era cristalina: asfixiar o Vasco economicamente e politicamente, e a qualquer outro clube que viesse a montar equipes com jogadores das camadas populares.
De forma categórica, o Clube se negou a aceitar tais medidas e retornou para a Liga Metropolitana. O grande marco desse evento foi o ofício assinado pelo Presidente do Vasco, José Augusto Prestes, e encaminhado à direção da Amea, no qual a instituição deixava claro que não abriria mão de seus jogadores “por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem devesa”. Esse ofício ficou conhecido como a “Resposta Histórica”.

Neste mesmo ano, impulsionados pela conquista de 1923 e pela tentativa dos ditos “grandes clubes” em asfixiar o Vasco, a vontade por um estádio próprio crescia no “Clube de Santa Luzia”. Os dirigentes vascaínos já debatiam seriamente a compra de um terreno para a construção de sua própria casa. A obtenção de um estádio era enxergada como meio de se obter total autonomia para a realização dos seus jogos, a possibilidade de aumentar os lucros a partir do gerenciamento de uma arena própria e parar de alugar estádios de outros clubes por altos valores.

O VASCO DA GAMA VAE CONSTRUIR UM STADIUM
Na reunião de hoje do Conselho Deliberativo do valoroso campeão da cidade, entre outros assumptos será tratado o da construção de um grande stadium, estando já em vista três grandes terrenos. Para tal fim será levado empréstimo de 2 mil contos” (O Imparcial, 16 de março de 1924)
O Vasco conquistou o Campeonato de 1924 após 16 jogos, o primeiro de sua história vencido de forma invicta. Isso lhe garantiu a posse definitiva da Taça Constantino.

image
Dirigentes e associados vascaínos próximos à Taça Constantino, cuja posse definitiva foi adquirida pelo Vasco ao somar maior número de pontos nos anos de 1922, 1923 e 1924 – Imagem de 1923

A Amea, que ficou com os “clubes mais endinheirados”, mesmo tendo o campeonato mais rico, sofreu e reconheceu a falta “daquele Vasco”, daquela torcida que conseguia superlotar não somente o Estádio das Laranjeiras, como os demais estádios da cidade. Em 1925, os clubes da elite cedem e convidam, sem restrições, o Vasco a entrar para a Amea. Permanecia, entretanto, a sensação de constrangimento por parte do Vasco em ter que exercer o mando de campo em estádios alugados, como Laranjeiras e General Severiano, abastecendo os cofres dos clubes coirmãos.

O processo de construção da “casa própria” vai tomando corpo, até que no dia 28 de março de 1925, o Vasco adquiria de forma definitiva um terreno da Sociedade Anonyma Lameiro. Era uma área de 65.445 m² no bairro São Cristóvão, sendo a Rua São Januário uma das principais vias de acesso.

image
Grande Benemérito, Manoel Joaquim Pereira Ramos, mostrando a área onde seria construído o Estádio do Vasco da Gama
Adquirido e espaço, era preciso erguer o tão sonhado stadium vascaíno. Para tal, foi-se intensificando a busca por recursos e posto em prática uma campanha de sócio em massa, que acabara por entrar para história como “A campanha dos 10 mil”. Portugueses e brasileiros se uniram em prol do ideal de construir o maior palco do futebol brasileiro.
A campanha de arrecadação de dinheiro para a construção do Estádio começou praticamente depois da carta do Presidente José Augusto Prestes, que incendiou os vascaínos. Essa carta é de abril de 1924. Mas, efetivamente a campanha só tomou corpo em 1926, às vésperas da construção do Estádio, com a participação geral dos vascaínos. As listas corriam entre humildes funcionários, gente de bares e restaurantes, pessoa que trabalhava nos bondes, enfim a gente humilde do Rio.  O dinheiro era arrecadado pelos três cobradores da época e entregue à Tesouraria do Clube. Era uma espécie de empréstimo, o primeiro empréstimo compulsório que ouvi falar, prazo de dez meses e a quantia máxima de 10 mil reis. Portanto, foi o povo que construiu o estádio do Vasco, revoltado contra o racismo dos outros clubes e contra a tentativa de marginalizar o Vasco […]
(Adriano Rodrigues dos Santos. Diretor de Futebol de 1923. Jornal Vasco, maio de 1977, p. 6)
O contrato entre o Vasco e construtora Christiani & Nielsen foi firmado em 17 de abril de 1926, assinando-o pelo Vasco o então Presidente Raul da Silva Campos, e Harald Broe, pela empresa construtora. A Cristiani & Nielsen (atual Carioca Christiani-Nielsen Engenharia) tem origem dinamarquesa, cujos fundadores foram o engenheiro Rudolf Christiani e pelo Capitão de Marinha Aage Nielsen. Anos antes (1923/1924) foi responsável pela construção da sede do Jockey Club Brasileiro.

O Lançamento da Pedra Fundamental do Estádio, no dia 06 de junho de 1926, reuniu dentre outras autoridades, os dirigentes do Vasco, torcedores e o então prefeito da Capital Federal, Alaor Prata. Além da assinatura da Ata de Lançamento pelo Prefeito e dirigentes vascaínos, houve a inserção de uma espécie de “cápsula do tempo” no subsolo do futuro estádio, contendo moedas, jornais e outros objetos da época.
image

image
Lançamento da Pedra Fundamental do Estádio Vasco da Gama

Iniciada as obras, o processo de erguimento do “Gigante de concreto” entrou em ritmo acelerado. Em menos de 10 meses o Vasco dava ao Brasil o maior estádio da América do Sul. A área construída foi de 11 mil m², com capacidade inicial de 30 mil pessoas (Social e arquibancada do lado oposto, não contando com a curva).

image
Estádio de São Januário, 1927
A pomposa fachada de um refinado estilo neocolonial do colossal stadium chamava a atenção do público carioca, especialmente, da multidão que foi assistir a partida inaugural, um Vasco x Santos, no dia 21 de abril de 1927. O major português Sarmento de Beires cortou a fita inaugural ao lado do Presidente do Vasco, Raul da Silva Campos, e do Presidente da CBD, Oscar Rodrigues da Costa. Também estava presente o Presidente da República, Washington Luís, que assistiu os eventos do dia da Tribuna de Honra.
Na preliminar do jogo principal, houve um embate entre a equipe vascaína de basquete contra o time da Associação Cristã, saindo vencedor a primeira. Além disso, também foi disputada uma partida de tênis com duplas mistas. No grande encontro do dia, Vasco e Santos apresentaram um grande espetáculo, com muitos gols. O primeiro gol vascaíno no estádio foi de Negrito, aos 44’ do 1º tempo, empatando a partida. O Santos havia saído na frente com o gol de Evangelista, aos 19’ da primeira etapa.

image

image

No final, a derrota vascaína por 5 a 3 não constituiu uma mácula para a inauguração, pois, o jogo em si era pouco perto do que representava aquele marco histórico. O Vasco, em resposta àqueles que queriam diminuí-lo ou até mesmo exterminá-lo, a também àqueles que gostariam de ver o futebol como mero palco para a festa das elites, fez surgiu um verdadeiro templo do povo. O estádio passou a receber os jogos do Vasco, de outros clubes coirmãos como America, Botafogo, Flamengo e Fluminense, e da própria seleção brasileira.

Para além do futebol, São Januário tornou-se um patrimônio nacional ao ser sede de eventos culturais e políticos que marcaram a vida do país.  No estádio vascaíno, Getúlio Vargas assinou a lei que instituiu o Salário Mínimo, anunciou a instalação da Justiça do Trabalho, pronunciou discursos no Dia do Trabalho (1º de Maio) e no Dia da independência (07 de Setembro). Geralmente, na comemoração da independência, o maestro Heitor Villa Lobos regia corais orfeônicos com milhares de jovens e crianças. Além de Getúlio, a Tribuna de Honra teve a presença de outras figuras importantes da política nacional, como Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Eurico Gaspar Dutra, João Goulart e outros. Na “casa vascaína” também foram realizados desfiles de escolas de samba e shows de bandas internacionais.
image
A Noite, 02 de maio de 1940, ed. 10137, p. 1 – Discurso de Presidente Getúlio Vargas – Salário Mínimo

image
Correio da Manhã, 24 de maio de 1945, ed. 15507, p. 12 – Comício de Prestes

image

Ultima Hora, 02 de maio de 1956, ed. 01495, p. 1 – Comemorações do Dia do Trabalho – Juscelino Kubitschek
Em São Januário, os vascaínos e vascaínas já riram, choraram, se alegraram e sofreram. O lendário estádio completa mais um ano de aniversário em “plena forma” e pronto para muitas outras batalhas e títulos que estão por vir. De forma um tanto quanto sarcástica, o tempo nos reservou uma grata surpresa na contemporaneidade… 89 anos se passaram e somos nós que podemos nos orgulhar de dizer que: dos clubes grandes do Rio de Janeiro, o único a ter estádio próprio com condições de receber partidas oficiais de futebol é o CR Vasco da Gama.
image
1º jogo da Final da Libertadores de 1998. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1998

Texto: Walmer Peres (Historiador)
Vice-Presidência de Relações Especializadas
Divisão: Centro de Memória

12 comentários sobre “São Januário: 89 Anos do templo do povo

  1. Parabéns São Janu,você é o que há de mais importante na história do nosso amado clube, o Vasco sem você, seria como uma criança órfã,nada representa melhor o Vasco que você, tudo que faça referência ao Vasco passa por São Januário, infelizmente discriminado por muitos,e pior alguns vascaínos.São Januário meu Caldeirão….Parabéns!

  2. Um dos maiores orgulhos e prova de que quando a torcida do Vasco entra em uma causa é para vencer. Parabéns Torcedores de ontem do Club de Regatas Vasco da Gama pela abnegação de nos brindar com o Colosso da Colina. Parabéns torcedores de hoje por manter viva a chama que foi acesa há 89 anos atrás. Parabéns Diretoria pela importância que demonstra dar ao Estádio Vasco da Gama cuidando dele com carinho, amor e paixão.

  3. São quase 90 anos, e quando conseguirem um projeto viável arquitetonicamente e financeiramente para o Vasco modernizar e ampliar nosso estádio, serão mais 90 anos pra São Januário servir como a casa do Vasco. Deveria ser uma das prioridades do clube, espero que Eurico tenha êxito nisso.

  4. É o maior orgulho de todos os Vascaínos. Um estádio feito com recursos próprios,de doações dos seus torcedores abnegados e que tem,sobretudo,o grande orgulho de serem Vascaínos. Em especial,o meu grande orgulho é de saber que meu saudoso pai,Sebastião Pereira,contribuiu para a famosa e bem sucedida “Campanha do Cimento”,que fez erguer o Estádio Vasco da Gama,o famoso São Januário,palco de grandes jogos.
    Nosso orgulho que tanta inveja causa aos nossos rivais.

  5. PARABÉNS MEU CALDEIRÃO VASCAÍNO pelos seus 89 anos de LONGA VIDA, CONQUISTAS, LUTAS, e de DESAFIOS!
    SÃO JANUÁRIO é a IMAGEM e a FUSÃO de ser o GENUÍNO CLUBE do POVO, MISCIGENADOS, IRMANADOS por pessoas de diversas ETNIAS, do TRABALHADOR de mãos calejadas a LEGÍTIMA CULTURA POPULAR congregando gente de todas as RAÇAS, CORES, COSTUMES, DIALETOS e que cantamos e te seguimos SEMPRE ao TEU LADO porque és a ESSENCIA do VERDADEIRO CLUBE POPULAR um TEMPLO de FUTEBOL CONSTRUÍDO e ERGUIDO SOMENTE com a contribuição, ajuda, e a colaboração e exclusivamente dos VASCAÍNOS !

    E POR MAIS que nos imitem um TEMPLO de FUTEBOL IGUAL na sua ORIGEM e na ORIGINALIDADE não há outro igual e é por isso que sempre REINARÁ SOBERANO e MAJESTOSO!

  6. Comentar sobre o quanto São Januário representa para o vascaino me tomario um dia inteiro devido a sua grande importância nas conquistas nosso grande clube Vasco da Gama , mas tenho que destacar alguns fatos como a contrução do estádio que retratada na matéria, diz bem como a própria torcida construiu o estádio com recursos próprios, atendendo a exigências da época que hoje em dia não é cumprido .Eu como vascaíno tenho muito orgulho de ter esse estádio como casa e enfatizando a simplicidade dele e toda a atmosfera criada em todos os grandes jogos lá realizados.
    Quero parabenizar o nosso estádio por essa data histórica e que continue sendo o nosso grande CALDEIRÃO !

    Saudações Vascaínas!

  7. Parabéns ao mais belo estádio do Brasil e um dos melhores para se assistir uma partida de futebol.
    Acho que o Eurico Miranda está certo na briga contra a Liga, contra as cotas de TV e em defesa do Vasco.
    Mas, precisamos ser justos. Sei que vou levar porrada aqui, mas é inadmissível não se jogar a semifinal de amanhã neste belo palco. É muito mais difícil para os mulambos enfrentar nossa equipe no Caldeirão e prestigia ainda mais nosso maior patrimônio.
    Dinheiro nenhum vale sair da nossa casa e sejamos justos: se fosse na época do MUV (que rebaixou o Vasco em todos os sentidos), estaríamos revoltados.
    Precisamos realizar sempre a autocrítica, para o bem do Vasco! Eurico Miranda errou feio nesta, precisa ser cobrado ę o Casaca não pode ser um braço de apoio em tudo.
    Saudações cruzmaltinas!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *