Parte de meus colegas da mídia cai numa armadilha ao seguir a boiada e descer a lenha em Eurico Miranda, presidente do Vasco – uma atitude que fazem com enorme prazer, o que muitas vezes dificulta sua reflexão. O linchamento da vez é porque Eurico disse em entrevista coletiva que o Vasco entra no Brasileiro para ganhar e que os funcionários do Vasco devem seguir a orientação da instituição, ou se não quiserem, não trabalharão mais no clube. Isso em função de uma declaração claramente irônica e provocativa do reincidente (não no Vasco) Dagoberto, que disse que o empate contra o Figueirense não era ruim “porque o Vasco não está na briga pelo título”.
Eurico, talvez, erre na forma. Seu tom é agressivo, desafiador, e não provoca boa vontade nos interlocutores. Ao dizer que os funcionários do Vasco têm de pensar como o presidente, erra na mão e dá munição a seus críticos. Minha leitura do que ele diz, conhecendo-o há 26 anos, e cobrindo diariamente o Vasco por vários deles, é a mesma que pregam, com palavras mais doces, os manuais dos líderes empresariais.
Imaginemos uma emissora de TV, o meu metier atual. Admitamos que um programa ou um jornal dê uma informação errada, ou cometa um erro crasso de português. Aí, na volta do VT, o locutor ou apresentador diga o seguinte: “Tudo bem, não há problema em termos cometido esse erro porque nossa emissora não está mesmo brigando pela liderança na audiência.” O que seria feito com esse apresentador? Não sei, porque é uma situação hipotética, mas se eu tivesse algum poder de decisão, ele seria demitido.
Não há qualquer problema em que um líder queira que seus comandados trabalhem de acordo com a diretriz da chefia. Vivemos uma democracia e quem não está satisfeito, ou acha que pode se recolocar no mercado, é só pegar o caminho da rua. Dagoberto pode, e ninguém o impede, de pensar o que quiser. Ele não é minimamente obrigado a resolver os problemas graves do time do Vasco. Mas se quisesse efetivamente colaborar com o clube, deveria dizer o seguinte:
“O Vasco empatar com o Figueirense é ruim em qualquer circunstância. O Vasco entra em qualquer competição para ser campeão. Precisamos, na minha opinião, reforçar algumas posições para termos mais chances, mas com o grupo que temos vamos lutar para ir o mais alto possível.” E isso não deveria ser dito pró-forma. Dagoberto deveria acreditar nisso e agir em cima dessa premissa.
Ao dizer que o Vasco não luta pelo título, e admitindo que ele tenha escolhido a pior maneira de tentar melhorar as coisas – e não que esteja a fim de tumultuar o ambiente -, Dagoberto desvalorizou seus colegas, criou um constrangimento no grupo, provocou a fúria de Eurico, e terá prejudicado ainda mais o Vasco se essa fúria o afastar do grupo – que sem dúvida não pode prescindir de um talento em campo como o de Dagoberto.
As críticas e ironias ao que disse Eurico, infelizmente, não se dão apenas porque é fácil bater nele – muitas vezes com justiça, a despeito de sempre ter sido tratado com respeito no Vasco, tenho inúmeras diferenças filosóficas com o presidente do clube. A questão é que não está cabendo mais no mundo de hoje nada que se pareça com cumprir a lei, manter a hierarquia, respeitar as pessoas e as instituições, seguir qualquer regra que tenha sido criada há mais de três dias. Há escolas com orientação “Santa Teresa” que estão abolindo as paredes, as divisões entre salas, dizendo aos jovens alunos que a vida não tem limites, que pode tudo, que vale tudo.
E aí de quem tentar mostrar que o fim dos limites significa, na prática, o fim da picada. O mundo atual é regido, como anteviu George Orwell, por um Big Brother, mas não um BB simbolizado por um grupo de pessoas que comanda ditatorialmente a massa – ou não o BBB do Pedro Bial. O Big Brother de hoje somos todos nós, que nos vigiamos e somos vigiados, ou melhor, patrulhados, durante 24 horas por dia, e que não temos mais a prerrogativa de querer organizar o caos. Nem piada mais podemos fazer, a internet deletou o bom-humor, substituído pelo termo politicamente incorreto.
Certa vez, para tentar atingir o Flamengo insinuando que o rival era uma bagunça, Eurico, quase sempre escolhendo mal as palavras, disse: “No Vasco tem regulamento. Aliás, até suruba tem regulamento, porque aqui não teria?” A frase, hoje, está claramente caduca no que tenge ao termo sexual chulo. A impressão que me dá, que se aguça ao ler o noticiário sobre o ciclista morto a facadas na Lagoa, é que hoje o Vasco é um dos últimos lugares do mundo onde ainda há regulamento.
Fonte: Blog Entre as Canetas