Com sua capacidade limitada a 21.800 torcedores, São Januário será nesta quinta-feira à noite, o palco de mais uma partida decisiva para o Vasco, desta vez contra o Corinthians. Se para os corinthianos o jogo vale o quase garantido hexacampeonato brasileiro, para o time da casa, um triunfo poderá representar a tão aguardada saída da zona do rebaixamento. Poucos clubes no Brasil podem usar a expressão “time da casa” com tanta propriedade quanto o Vasco. Historicamente, na maioria dos casos, os terrenos para sedes e estádios foram doados pelo poder público. No Vasco, entretanto, a área de 56 mil metros quadrados onde se ergue o estádio foi adquirida pelos próprios sócios e dirigentes vascaínos, numa grande mobilização popular, em 1926. Trata-se do maior símbolo da luta do clube contra os preconceitos.
Com esses fundos, foi possível não apenas adquirir o terreno. A edificação foi uma resposta à rejeição de que o clube foi vítima nos anos 20, quando o futebol brasileiro era fortemente elitista e racista. Em 1923, havia ganho o Campeonato Carioca com um elenco formado por negros, brancos pobres e analfabetos que não tinham vez nos chamados grandes clubes do Rio. Forçado a eliminar do seu elenco justamente esses atletas para poder participar, em 1924, da nova liga, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (Amea), o clube se recusou a fazê-lo e preferiu permanecer na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT). Somente em 1925 os vascaínos foram aceitos na Amea, sem se verem forçados a eliminar alguém. Entretanto, como não tinha um estádio e alugava os dos outros para poder mandar seus jogos, era sempre considerado um time “pequeno”, “zé povinho”, “time de portugueses e de negros”.
Para pôr fim a tudo isso, os sócios e torcedores se uniram, espalharam listas por toda a cidade — num dos primeiros casos no país do que hoje se chama crowdfunding, isto é, finaciamento coletivo — e levantaram recursos para comprar o terreno e depois construir o estádio, sem um centado de ajuda oficial. Pelo contrário. Na época, o clube precisava de uma autorização do então presidente Washington Luiz para poder importar cimento da Bélgica, o que fora obtido anos antes pelo antigo Derby Club para construir sua sede no local onde hoje está o Complexo do Maracanã. O então presidente negou a autorização. Mas engenheiros e mestres de obras conseguiram fazer uma mistura usando uma quantidade maior de areia e de pedra e tocaram a obra, na qual muitos vascaínos trabalharam voluntariamente.
A área pertencia a um empresário do ramo de tintas chamado Carlos Kuenerz e no século 19 havia pertencido a Marquesa de Santos, a favorita do Imperador Pedro I. O nome oficial do estádio é Vasco da Gama, mas ele é mais conhecido por São Januário, por causa de uma das ruas localizadas em suas imediações. A praça de esportes foi inaugurada oficialmente a 21 de abril de 1927, no amistoso Vasco 3 x 5 Santos, tendo permanecido como o maior do país até 1940, quando da abertura do Pacaembu, em São Paulo. Fora também o maior da América do Sul, até 1930, quando da inauguração do Estádio Centenário, de Montevidéu, e o maior do Rio até 1950, quando da abertura do Maracanã, sede de vários jogos, incluindo a final da Copa do Mundo de 1950. Os refletores de São Januário foram inaugurados em 31 de março de 1928, com o jogo Vasco 1 x 0 Wanderers (Uruguai), num gol do ponta-esquerda Santana. Foi um gol olímpico (direto da cobrança de um escanteio), um dos primeiros de que se teve notícia na história do futebol brasileiro. Entre todos os estádios do atual Campeonato Brasileiro, apenas o Urbano Caldeira, na Vila Belmiro, do Santos, inaugurado em 1916, é mais antigo que São Januário.
Antes da construção do Maracanã, a seleção brasileira fez de São Januário a sua casa. Lá atuou pela primeira vez a 15 de janeiro de 1939, tendo sido goleada pela Argentina por 5 a 1, na Copa Rocca, disputada entre os dois países.Em 1949, porém, no mesmo cenário o Brasil disputou e conquistou o Sul-Americano de 1949. Na época, a seleção brasileira — cuja base era o Vasco — goleou quatro adversários: Brasil 9×1 Equador (3 de abril de 1949), Brasil 7×1 Peru (24 de abril de 1949), Brasil 5×1 Uruguai (30 de abril de 1949) e Brasil 7×0 Paraguai (11 de maio de 1949). Com 19 partidas naquele local, a seleção obteve 14 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, com 65 gols a favor e 26 contra. O último jogo do Brasil em São Januário foi em 14/07/1993: 2 a 0 sobre o Paraguai, gols de Branco e Bebeto.
Atuando em sua casa, o Vasco levantou sete títulos cariocas e deixou muito bem encaminhada uma de sua maiores conquistas internacionais. Assim, jogando boa parte das partidas em seus domínios, foi campeão carioca de 1929, 1934, 1936, 1945 (invicto), 1947 (invicto), 1949 (invicto) — todos estes antes da inauguração do Maracanã — e o de 1992 (invicto). O Campeonato Estadual de 1992 teve São Januário como palco principal, porque à época o Maracanã estava interditado, devido a um grave acidente na final do Brasileiro daquele ano, entre Flamengo e Botafogo.
A partida mais importante da história de São Januário, para o Vasco, se deu a 12 de agosto de 1998, quando o Vasco bateu o Barcelona de Guayaquil, no Equador, por 2 a 0, gols de Donizete e Luizão, pelas finais da Copa Libertadores da América. Na partida de volta, em Guayaquil, no Equador, os vascaínos sacramentaram o título, ao vencerem por 2 a 1. Lamentavelmente, num passado recente, em 2008, foi em São Januário que a torcida assistiu ao rebaixamento do clube para a Segunda Divisão do Brasileiro, na derrota de 2 a 0 para o Vitória, em 2008. O recorde oficial de público do estádio é de 40.209 pagantes, no jogo Vasco 0 x2 Londrina, pelo Brasileiro de 1977, mas disputado em 19 de fevereiro de 1978. Extra-oficialmente, porém, comenta-se que mais de 60 mil torcedores se acotovelaram no local para o amistoso Vasco 1×0 Arsenal (Inglaterra), a 25 de maio de 1949. Era a primeira vez que um campeão inglês vinha ao Brasil.
O maior artilheiro em São Januário foi Roberto Dinamite, com seus 184 gols entre 1971 e 1992, tendo sido o último deles a 26/10/1992: Vasco 1×0 Goytacaz. Na década de 90, não apenas devido à interdição do Maracanã, em 1992, mas também pela fuga dos clubes em relação às altas taxas naquele estádio, o Vasco mandou alguns clássicos em seu campo. Eventualmente, a praça esportiva vascaína foi cedida aos rivais cariocas. O Flamengo o utilizou em três oportunidades, no Brasileiro de 1995, contra Bragantino, Criciúma e Bahia. Em 2005, o Fluminense também mandou no local alguns de seus jogos do Brasileiro, e no mesmo ano, realizou ali partidas da Copa do Brasil e da Copa Sul-Americana.
A 30 de abril de 2002, o Travel Channel, famoso canal de televisão especializado em turismo realizou pesquisa que incluiu São Januário entre os sete melhores estádios do mundo para se assistir a uma partida de futebol, junto com Camp Nou, Giuseppe Meazza, La Bombonera, Ibrox Stadium, Stamford Bridge e Estádio Olímpico de Munique. Tal pesquisa foi citada em artigo a respeito do clube, no site da Fifa. Em 2008, o estádio também ganhou o prêmio de Maravilha da Zona Norte, em primeiro lugar numa votação para escolher as sete maravilhas da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
Além de eventos esportivos, São Januário serviu também aos comícios do então presidente Getúlio Vargas, nos anos 30 e 40. Ali, em sua Tribuna de Honra, em 1 de maio de 1943, que Vargas assinou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), base da legislação trabalhista nacional. No mesmo cenário, o líder comunista Luiz Carlos Prestes também realizou ato público pela redemocratização do país a 23 de maio de 1945.
Na Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, o clube pôs o estádio à disposição das Forças Armadas Brasileiras e bancou a Escola de Instrução Militar, que formou 10 mil soldados. Além disso, São Januário foi alojamento de militares de outros estados antes de embarcar para os combates na Itália. O clube levantou recursos e doou à Força Aérea Brasileira (FAB) dois aviões. No aspecto cultural, São Januário serviu de palco para dois desfiles de escolas de sambas, em 1943 (beneficente e sem caráter competitivo, como parte de mobilização para a Segunda Guerra Mundial) e em 1945 (oficial, ganho pela Portela), além das apresentações do maestro Heitor Villa-Lobos que regia corais de estudantes, na década de 30. Num desses espetáculos, já em 1940, com a presença de Vargas, cantaram 40 mil estudantes.
A fachada da sede, de autoria do arquiteto Ricardo Severo, tem o estilo colonial português e é tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Logo na entrada do estádio, pode-se ver o busto do navegador português que é patrono do clube, inaugurado em 1942. Na subida para a sala da presidência, há um conjunto de azulejos que retratam as Grandes Navegações Portuguesas. Além de ser uma edificação com tijolos, areia e cimento, São Januário é um capítulo à parte na história do clube e do próprio país.
Fonte: O Globo Online