Por Centro de Memória do Vasco
O Estádio Vasco da Gama completa 90 anos! Com a sua história de fundação singular e a sua utilização ao longo do tempo como palco de grandes manifestações populares e marcos importantes para o país, a “casa vascaína” escapou da serventia tradicional de arena esportiva e se colocou no decorrer de sua gloriosa existência como parte da história política e cultural brasileira, tornando-se um verdadeiro patrimônio nacional.
O surgimento de São Januário remonta à luta do Vasco em poder colocar em prática a sua política de seleção de jogadores sem distinção de raça ou condição social. No ano de 1923, o Vasco conquistou o seu primeiro título de Campeão Carioca. Com uma equipe recheada de jogadores das camadas populares, conseguiu desbancar um a um os seus adversários. Fazendo uma campanha espetacular, o Clube fez história ao ser o primeiro a conquistar este campeonato com jogadores negros e brancos de baixa condição social, abalando a estrutura do racismo e do preconceito social vigentes no futebol do Rio de Janeiro, então Capital Federal.
A façanha vascaína levou uma mensagem de igualdade para todo o país e revoltou os clubes que comandavam o futebol da Liga Metropolitana e monopolizavam os títulos de “Campeão da Cidade”, o que conhecemos atualmente como Campeonato Carioca. Nos primeiros meses de 1924, ocorreu uma cisão que resultou na criação de outra liga, a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), cujos clubes fundadores foram o América FC, o Bangu AC, o Botafogo FC, o CR do Flamengo e o Fluminense FC.
Baseando-se no discurso da necessidade de se ter maior controle sobre “a moral no esporte” (o que encobria o racismo e o preconceito social existentes) e da obrigatoriedade de se defender um futebol que fosse puramente amador (isso, na verdade, não era praticado por nenhum clube da Liga Metropolitana), as elites visavam encobrir a luta pelo controle de uma entidade que regesse o futebol carioca e, consequentemente, administrasse os crescentes recursos financeiros mobilizados em torno da sua prática institucionalizada.
A AMEA convidou o Vasco para participar de seu primeiro campeonato, em 1924. Contudo, as condições para a sua participação eram extremamente desfavoráveis. A principal exigência era a exclusão por parte do Clube de 12 jogadores, dentre eles 7 dos que haviam conquistado o campeonato do ano anterior. Esses homens foram apontados pela Sindicância da nova liga como indivíduos despossuídos de condições morais para a prática do futebol. Foram excluídos com base no critério do analfabetismo e das condições e natureza das suas profissões.
A verdade era que os estatutos da nova entidade tinham por objetivo impedir que clubes montassem equipes competitivas com jogadores das camadas populares e, consequentemente, tivessem condições de conquistar o campeonato, o que o Vasco havia feito. Além disso, privilegiavam-se àqueles clubes que já possuíam melhor estrutura, em detrimento dos demais, pois, era preciso ter uma “praça de exercícios atléticos e desportivos […]” que satisfizessem as exigências da AMEA. Posição esta reforçada pela entidade no dia 06 de abril de 1924, quando emitiu resoluções que obrigavam os clubes não-fundadores como o Vasco a terem que disputar uma espécie de seletiva, na qual seriam rebaixados para a segunda divisão “dous clubs não fundadores menos desenvolvidos em installações materiaes, organização techinica, administrativa e prática de exercicios physicos e esportivos”.
Em resposta às exigências preconceituosas da AMEA, o então presidente vascaíno, José Augusto Prestes, emitiu um ofício comunicando que desistiria de fazer parte da nova entidade por “não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consócios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa” (Ofício nº261, 07 de abril de 1924).
A negativa vascaína em 1924 se popularizou como sendo uma “Resposta Histórica”, que representou e representa o repúdio total da entidade ao racismo e ao preconceito social no futebol e no esporte como um todo. O Vasco, por não acatar as condições que lhe foram impostas, retorna para a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT).
A força da Instituição, baseada no seu corpo associativo e na capacidade do Clube de atrair uma grande massa de torcedores, fazia com que o Vasco não pudesse ser relegado pelos demais. O Vasco conquistaria de forma invicta o Campeonato Carioca, o primeiro dos seis que ostenta atualmente, sagrando-se Bicampeão Carioca. (1923-1924). No ano seguinte (1925), o Vasco seria novamente convidado a fazer parte da AMEA. O Clube aceitou o convite e levou consigo todos os seus jogadores.
Embora na própria “Resposta Histórica” o Vasco faça um protesto quanto à forma que a Instituição era tratada por não possuir melhores “installações materiaes”, ainda havia uma resposta mais taxativa a ser dada: a construção de um estádio próprio. Impulsionados pela tentativa dos ditos “grandes clubes” em enfraquecer o Vasco, os dirigentes vascaínos já debatiam seriamente desde 1924 a compra de um terreno para a construção de um estádio próprio, enxergado como meio de se obter total autonomia para o Clube. O processo de construção da “casa própria” vai tomando corpo, até que no dia 28 de março de 1925, o Vasco adquiria a terreno onde seria erguido o seu Estádio. Os dirigentes vascaínos hastearam o pavilhão do Clube no local, no dia 20 de dezembro de 1925.
Após esse esforço inicial, era preciso angariar recursos para o erguimento do estádio. Iniciava-se, então, uma campanha histórica para a construção da “casa vascaína”. As três principais ações nesse intuito foram: uma gigantesca campanha para atrair novos sócios, que ficaria conhecida como “campanha dos 10 mil”; as contribuições individuais de vascaínos e vascaínas; e o lançamento de debêntures no mercado, ou seja, títulos de créditos ao portador.
No decorrer dessa mobilização vascaína, o contrato entre o Vasco e construtora Christiani & Nielsen foi firmado em 17 de abril de 1926, assinando-o pelo Vasco o então Presidente Raul da Silva Campos, e Harald Broe, pela empresa construtora. A Cristiani & Nielsen, de origem dinamarquesa, teve como fundadores o engenheiro Rudolf Christiani e pelo Capitão de Marinha Aage Nielsen. Anos antes (1923/1924) foi responsável pela construção da sede do Jockey Club Brasileiro.
O Lançamento da Pedra Fundamental do Estádio ocorreu no dia 06 de junho de 1926 e reuniu dentre outras autoridades, os dirigentes do Vasco, torcedores e o então prefeito da Capital Federal, Alaor Prata. Além da assinatura da Ata de Lançamento pelo Prefeito e dirigentes vascaínos, houve a inserção de uma espécie de “cápsula do tempo” no subsolo do futuro estádio, contendo moedas, jornais e outros objetos da época.
O ritmo das obras foi acelerado, apesar das tentativas de dificultarem a façanha vascaína. Uma dessas dificuldades ocorreu quando o Vasco solicitou a importação do cimento belga, que era de melhor qualidade em comparação ao brasileiro. A importação foi barrada e o Vasco se viu obrigado a utilizar o cimento nacional. A solução encontrada para vencer esse obstáculo foi reforçar ainda mais as estruturas do estádio: para cada uma parte de cimento, foram colocadas duas e meia de areia e três e meia de pedra britada. Nada parava o Vasco, o Clube erguia o seu gigante de concreto.
Na tarde de 21 de abril de 1927, o Gigante da Colina dava ao Brasil o maior estádio da América do Sul. O Estádio do Vasco foi todo construído com recursos próprios da Instituição, sem qualquer contribuição de dinheiro público. Os 40 mil torcedores que acompanharam a inauguração ficaram impressionados com a beleza e a imponência do estádio vascaíno.
Coube ao aviador português, Major José Manuel Sarmento de Beires, o ato simbólico de cortar a fita inaugural, ao lado do Presidente do Vasco, Raul da Silva Campos, e do Presidente da Confederação Brasileira de Desportos, Oscar Rodrigues da Costa. O Presidente da República, Washington Luís, também estava presente e assistiu aos eventos do dia da Tribuna de Honra.
A partida de futebol da inauguração, disputado pelo Vasco contra a equipe do Santos, de São Paulo, significou pouco se comparado ao que representava aquele marco histórico. O Vasco, em resposta àqueles que queriam diminuí-lo e enfraquecê-lo, e igualmente, em resposta àqueles que gostariam de ver o futebol marcado pelo racismo e pelo preconceito social, fez surgir um verdadeiro templo do povo.
A “casa do Vasco” também passou a receber partidas de outros clubes e da própria seleção brasileira. A equipe principal do Vasco já atuou em 1475 partidas de futebol, com 965 vitórias, 309 empates e 201 derrotas (não contabilizamos jogos do Torneio Início a título de estatística para partidas de futebol). A equipe vascaína marcou 3419 vezes e sofreu 1372 gols, mantendo um saldo positivo de 2047 gols. Dentre esses 1475 jogos, veja a lista a seguir com os dez momentos esportivos mais marcantes do Vasco no Estádio:
1º – 15/05/1927 – Vasco 3×1 Flamengo/RJ – Primeiro Vasco e Flamengo em São Januário. A equipe vascaína “sobrou em campo”. Mesmo carecendo de reforços, estando em processo de reformulação de seu elenco e ainda sentindo os efeitos de todo o esforço financeiro para erguer o maior estádio da América do Sul, o “Gigante da Colina” venceu a partida por 3 a 1 e conquistou sobre o Flamengo o troféu “O Pregão da Victoria”.
2º – 31/03/1928 – Partida de inauguração dos refletores do Estádio. Primeira partida noturna de São Januário e primeira partida internacional do Vasco no estádio. Mais de 60 mil torcedores estiveram presentes (dados oficiosos);
3º – 09/11/1930 – Vasco 6×0 Fluminense/RJ – Maior goleada da história deste Clássico;
4º – 26/04/1931 – Vasco 7×0 Flamengo/RJ – Maior goleada da história do “Clássico dos Milhões”;
5º – 25/05/1949 – Vasco 1×0 Arsenal/ING (Amistoso Internacional) – O famoso clube londrino, um dos mais tradicionais e populares da Inglaterra, fundado em 1886, havia se sagrado mais uma vez campeão na temporada de 1947/48 e era exaltado como um dos melhores times do mundo. Mais de 60 mil torcedores estiveram presentes (dados oficiosos);
6º – 06/12/1992 – Vasco 1×1 Flamengo/RJ – O Vasco ratifica a conquista do Campeonato Carioca de 1992, ao terminar a campanha de forma invicta;
7º – 12/08/1998 – Vasco 2×0 Barcelona (Equador). Primeira partida da Final da Libertadores. Vasco 2×0 Barcelona (Equador);
8º – 06/12/2000 – Vasco 2×0 Palmeiras/SP. Primeira partida da final da Copa Mercosul, que seria conquistada pelo Vasco.
9º – 20/05/2007 – Vasco 3×1 Sport/PE. Partida do milésimo gol do Romário;
10º – 01/06/2011 – Vasco 1×0 Coritiba/PR. Primeiro jogo da final da Copa do Brasil. O Vasco dava o pontapé inicial para a conquista do campeonato.
Para além do futebol, São Januário foi sede de eventos culturais e políticos que marcaram o Brasil. No estádio vascaíno, Getúlio Vargas pronunciou vários discursos, especialmente, no Dia do Trabalhador (1º de Maio) e no Dia da Independência (07 de Setembro). Geralmente, na comemoração da Independência, o maestro Heitor Villa Lobos regia corais orfeônicos com milhares de jovens e crianças de escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro. Além de Getúlio, o estádio vascaíno teve a presença de outras figuras importantes da política nacional em eventos históricos, como Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Eurico Gaspar Dutra, João Goulart e outros. Na “casa vascaína” também foram realizados desfiles de escolas de samba, em 1945, a Portela sagrou-se campeã. Veja a seguir os dez eventos não-esportivos mais marcantes que ocorreram no Estádio Vasco da Gama:
1º – 01/05/1940 – Discurso proferido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião do Dia do Trabalhador. Neste evento houve a assinatura de instituição do Salário Mínimo pelo Decreto-Lei nº 2.162, de 1º de Maio de 1940;
2º – 01/05/1941 – Discurso proferido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião do Dia do Trabalhador. Neste evento houve a instalação oficial da Justiça do Trabalho no Brasil. Em 1941, realizou-se a inauguração e o real funcionamento da Justiça do Trabalho no país, estruturada pelo Decreto-Lei nº 1.237/1939;
3º – 07/09/1942 – Comemorações do Dia da Independência; Realização da Hora da Independência. Cerimônia em comemoração ao Dia da Independência, com a presença e discurso de Getúlio Vargas, Presidente da República. A primeira após a entrada oficial do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O maestro Villa Lobos regeu grande coral orfeônico formado por jovens e crianças das escolas públicas e particulares;
4º – 07/02/1945 – Desfile Oficial de Carnaval das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A Portela sagrou-se campeã.
5º – 01/05/1945 – Discurso proferido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião do Dia do Trabalhador;
6º – 23/05/1945 – Comício de Luiz Carlos Prestes. Semanas após deixar a prisão devido à anistia concedida pelo presidente Getúlio Vargas, o líder comunista Luiz Carlos Prestes falou para cerca de 100 mil pessoas no Estádio de São Januário, em organizado pelo Partido do Brasil (PCB);
7º – 12/08/1950 – Comício de Getúlio Vargas, candidato à Presidência da República;
8º – 01/05/1951 – Discurso proferido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião do Dia do Trabalhador;
9º – 01/05/1952 – Discurso proferido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião do Dia do Trabalhador;
10º – 01/05/1957 – Discursos proferidos pelo Presidente da República, Juscelino Kubitschek, e pelo Vice-Presidente da República, João Goulart, por ocasião do Dia do Trabalhador;
No intuito de prestarmos uma homenagem a este monumento à igualdade no esporte e de demonstração da grandeza do Vasco, destacamos fatos históricos que ressaltam a importância do Estádio de São Januário. Ao olharmos para o passado glorioso do nosso Vasco, apontamos para um futuro ainda mais próspero, levando em nossos corações um velho ditado vascaíno: “O Vasco é um clube rico, de adeptos trabalhadores e dedicados”.