Não foi definitivamente um jogo qualquer. Os analistas cada vez menos entendidos no bom e velho esporte bretão já teceram diversos comentários sobre desconcentração, erros mil, jogo aéreo, problemas táticos aqui e ali do time do Vasco na altitude de Sucre na última quarta, contra o Jorge Wilstermann, da Bolívia. Porém, como de costume, os “idiotas da objetividade” (à moda do imortal Nelson) não conseguem enxergar um palmo à frente do nariz e cismam em se cegar diante do óbvio ululante. Vimos não um 4×0, um placar elástico, algo do ramo das estatísticas para revistas futuras. Quem quase infartou durante aquelas pouco mais de duas horas contemplou o futebol em sua essência.
Arritmias, fibrilações atriais, indigestões, colapsos nervosos, pânicos, suores frios, desmaios, síncopes, as mais diversas estripulias sintomáticas e demasiadamente humanas se deram durante os mais de 100 minutos de angústia dilacerante para o torcedor cruzmaltino. Falar simplesmente de bola, jogadores, árbitro (um canalha, por sinal), seria botar antolhos cavalares. Foi um jogo de Libertadores da América com todos seus requisitos na bandeja: falta de técnica, desespero, escanteios aos borbotões para o time da casa (a cada um deles, o vascaíno envelhecia um ano tamanha a ansiedade), expulsão, penalidades sufocantes e um final feliz que nenhum roteirista de Hollywood seria capaz de escrever.
O cruzmaltino depois da saga épica das montanhas bolivianas se igualou ao sertanejo e pode dizer de fronte alta, “sou sobretudo um forte”. Se sobreviveu à noite de tantos contrastes, se não capitulou engolindo Frontais, Rivotris, cervejas, vodcas e cigarros aos montes e se aguentou com paciência tibetana e estômago de aço aos horrores campais até as penalidades máximas, não morrerá tão cedo. O Vasco aprendeu a cada gota de suor, a cada baforada de oxigênio raro e como isso será rico no percurso da competição continental.
Escrevi um pouco atrás que falar de jogadores seria simplório. Menti. Não mencionar San Martín Silva e suas três defesas diante da marca de cal é dar as costas para a arte desse esporte que aprendemos a amar. Foi colossal. A superação, os abraços, os berros do Ipiranga em cada casa à beira das janelas, os sorrisos e alívios espalhados da Bolívia ao Rio depois do último tiro defendido são singulares, de emoldurar e fazer parte da memória de cada vascaíno para todo o sempre.
E se tudo poderia ficar ainda mais perfeito para o cruzmaltino, o que dizer de uma madrugada que se iniciou com a frustração dos secadores de plantão, aqueles magnânimos que dizem não torcer contra? A cava depressão e insônia que vieram após o término da transmissão da tv após terem a nítida e deslavada certeza da eliminação do Club de Regatas Vasco da Gama foi daqueles fechos de ouro inebriantes.
Que venham Cruzeiro, Racing e La U! O Vasco calejado da batalha seguirá com sua camisa gigantesca e histórica a protagonizar instantes de antologia. O resto é paisagem.
Rafael Fabro