Eu ainda era um garoto. Meu pai, português, me levou ao Maracanã pela primeira vez. Morávamos longe do estádio; meu pai era comerciante – após “apanhar” muito e passar por muitos apertos por aqui, conseguira um pequenino açougue – no subúrbio do Rio; por isso ir ao Maracanã não era tarefa das mais simples, já que o comércio exigia dele muito esforço e tempo. Ele, que abria o açougue às sete da manha todos os dias, trabalhava, também aos sábados, até oito da noite, e domingo até as duas e meia da tarde, era então um vascaíno fanático e chegara ao Brasil no início da década de 50, já tinha ido várias vezes ver o Vasco, tanto no Maracanã quanto em São Januário. Ele assistira inclusive à final de 58, contra o Rubro-negro, que deu o título de supersuper campeão ao Vasco – título que, aliás, nenhum outro clube tem.
Mas eu nunca tinha assistido ao Vasco ao vivo. Não tinha como. Via, quando não era muito tarde – pois minha mãe pegava no meu pé por eu ter aula cedo -, alguns jogos pela televisão (que, por sinal, era uma lástima na época, com suas imagens distorcidas e cheias de “chuvisco”, com a “tela maluca” que subia e descia – o famoso “vertical”; só rindo, mas era assim mesmo – e que se transformava por vezes numa espécie de “listras de zebra horizontais”, possuindo dois botõezinhos atrás, os quais nós tínhamos que girar para consertar a toda hora os problemas). Não havia controle remoto ou televisão em cores. Era preto e branco mesmo. Se alguém quisesse mudar de canal (talvez três ou quatro canais, no máximo), não tinha jeito: teria mesmo de levantar a bunda da poltrona, ir até o aparelho e girar um enorme botão que tinha uns treze números e fazia um barulhinho ao ser girado. Os pais brigavam quando os garotos faziam isso, pois estes giravam o botão com muita velocidade, ao que sempre se ouvia “ei, isso aí não é metralhadora, não! Vai estragar esse troço!”.
Nas casas, quando havia, normalmente só havia um único aparelho de TV, geralmente localizado na sala. Vizinhos iam assistir aos jogos e às novelas nas casas dos que possuíssem televisão. Quando alguém comprava uma nova, era normal que vários vizinhos fossem lá para ver o aparelho. Era uma festa! Uma espécie de celebração pela conquista. Talvez fosse mais importante do que comprar um carro hoje em dia. A programação era muito primária e escassa. Assistir à TV era também um exercício de democracia, pois, ao que se iria assistir, tinha anteriormente de ser democraticamente decidido, e aí entrava a opinião de todos: pais, tios, mães, avós (estas duas últimas tinham normalmente, digamos, um “poder maior” na decisão final) e, por último, a garotada. Bem, se houvesse novela passando em um canal, e jogo de futebol, em outro, quase nunca vencíamos a discussão e, putos da vida, não assistíamos ao jogo, mas apenas a um pouco da novela – inclusive os pais e tios, que, por não serem bobos, preferiam não entrar em maiores contendas com as mulheres.
Nós garotos ainda insistíamos um pouco, exagerávamos nossa mágoa, ficávamos com os olhos chorosos, esperneávamos calculadamente (qualquer exagero nesse sentido, sabíamos muito bem disso, poderia nos render rapidamente uns puxões na orelha, uns bofetes ou umas boas chineladas), mas não tinha jeito: à noite, com o infalível argumento “amanhã cedo vocês têm aula, vão dormir!”, mães e avós tinham praticamente a palavra final sobre ao que se assistir na TV, em qualquer lar de então. O mesmo acontecia, para ser verdadeiro, em qualquer horário do dia, exceto quando elas estavam ocupadas com suas tarefas do lar. Naquela época, adulto mandava, criança obedecia, e ponto final.
A vida era assim. A vida, apesar de muito simples, era boa. Éramos felizes. Hoje percebo claramente o quanto éramos felizes. Quanta saudade.
Para os mais jovens, peço humildemente licença, quero deixar aqui uma singela lição: o preço da felicidade de hoje é a infelicidade de amanhã; não tem jeito, é a lei da vida. Portanto, aproveitem ao máximo a convivência com seus amigos e entes queridos. Nunca deixem para amanhã o abraço ou o beijo que podem dar neles hoje, pois, embora não seja fácil de perceber enquanto a “fita do filme” rola, tudo e todos se vão de suas vidas. A vida acontece em “real time”. Um dia, você simplesmente irá acordar, olhar para o teto do seu quarto e descobrir que tudo o que você viveu, passou; apenas passou, como um raio, à sua frente. Descobrirá que muitos dos seus sonhos de infância — talvez os mais fervorosamente acalentados em seu pequeno e inocente coração — simplesmente não se realizaram, e que já não há mais tempo para colocar a roda encantada deles em movimento. Descobrirá que lembranças, fotos e, principalmente, saudade são tudo o que lhe resta. Você mal poderá acreditar nisso. Descobrirá que todas as pessoas passaram; que passaram também os lugares e os momentos felizes; que passaram as canções, os risos, as lágrimas… Que tudo, enfim, passou… Tudo, como num filme em que não se pode rebobinar a fita.
Contar a história é fácil, pois sempre é feito de trás para frente. Difícil é seguir na linha do tempo, lutando, vivendo um dia após o outro.
Minha relação de imensa paixão pelo Vasco iniciou-se como a de todos os outros garotos suburbanos pelos seus times: além de ouvir os jogos pelo rádio (se o jogo fosse à noite, com o som bem baixinho, com o radinho de pilha escondido embaixo do travesseiro, pois, se algum adulto descobrisse, lá vinha bronca), através de algumas poucas revistas, e especialmente dos jornais – também em preto e branco, ou, como era o caso do “Jornal dos Sports”, em preto e rosa – que “filávamos” dos pais ou algum outro adulto. Só conhecíamos os rostos dos jogadores por meio de álbuns de figurinhas ou times de botões. Camisa do Vasco? Nem pensar. Quem possuía uma camisa, certamente a conseguira diretamente com algum jogador, o que era muito raro para alguém do subúrbio.
Assim que o vi pela primeira vez, apaixonei-me instantaneamente pelo escudo do Vasco. Ah, como eu amo esse escudo! Vivia a desenhá-lo, inclusive na sala de aula, onde vários garotos me pediam um exemplar. Quando a professora me pegava, era rolo na certa. Chamada na escola por ela, minha mãe dizia: “não tem jeito, professora, esse garoto é um fanático pelo Vasco!”. No fim, privadamente, ambas riam da coisa. Mas isso não me livrava do castigo de ficar sem brincar na rua por pelo menos uma semana. As coisas eram assim, meus amigos. Os mais velhos sabem disso.
Mas, voltando, meu pai me levou pela primeira vez ao Maracanã. O jogo era contra o Rubro-negro da Gávea. Caminho longo, sonhando com o que eu iria ver. Depois de alguma “muvuca” normal e fila no guichê, compramos na hora os ingressos. Ainda me lembro de, como se fosse hoje, extasiado, seguir pela grande rampa e, depois, na direção do acesso de entrada para a arquibancada, subindo-o, sempre levado pela mão de meu pai, ver as luzes dos refletores e, em seguida, o gramado verde. Amigos, que emoção para um garoto suburbano. Eu fiquei bastante assustado quando entrei na arquibancada, o coração ficou disparado, fiquei nervoso vendo aquela massa de gente que dividia a arquibancada ao meio. Achei lindas as bandeiras do Vasco. A torcida do Vasco estava linda, vibrante. Por muito tempo me disseram que sonhei com esse jogo, que minha cabeça infantil o inventara, pois eu sempre sustentei que tal partida ocorreu num sábado, não num domingo, e que o Vasco jogou de camisas pretas e shorts brancos. Lógico que eu sabia de tudo.
Sabia que ocorrera num sábado porque, ao sair de casa com meu pai, lembro-me muito bem da remanescente limpeza da rua e das calçadas feita pelos garis, pois havia sido dia de feira. E o dia da feira era sábado. Ponto final.
Quanto às camisas pretas, não tenho a menor dúvida, por um único motivo: eu me sentei com meu pai bem na direção do túnel de saída do time do Vasco (naquela época, a arquibancada de cimento ia até ali praticamente); e eu perfeitamente me lembro de que, ao ver o time do Vasco (amigos vascaínos, lembrem-se, eu nunca tinha visto o Vasco com os meus olhos) entrando em campo pela escada de acesso do túnel, ao ver aquele manto sagrado, extraordinário e único, preto com a listra diagonal branca e números vermelhos surgir, meus olhos se encheram de lágrimas instantaneamente. Não consegui ver mais nada. Tudo ficou embaçado para mim por vários minutos.
Meu pai, percebendo minha emoção, apenas me abraçou carinhosamente e afagou meus cabelos. Eu só me lembro de, com a voz ainda chorosa e embargada, perguntar a ele:
– Pai, vamos vencer?
Ao que ele me respondeu:
– Claro que vamos!
– Como o senhor já sabe que vamos vencer o jogo, pai? – Questionei.
Ao que ele decretou:
– Ora, meu filho, vamos vencer porque o Vasco é o maior!
Pronto! Em meu coração infantil não havia mais dúvidas. O Vasco ia vencer porque meu pai dissera tudo: porque o Vasco é o maior!
Daquele momento em diante, a confiança total tomou conta de mim. Não deu outra. Garrincha jogou pelo Rubro-negro nesse dia (devo confessar que foi uma das razões que fez meu pai querer assistir a esse jogo, mesmo sendo num sábado, pois, amante do bom futebol, ele era um grande fã de Garrincha). Mas, com Garrincha e tudo, vencemos por dois a zero. Os gols foram de Nado e Valfrido, ambos no segundo tempo, e – imaginem minha alegria! – bem na minha frente. Quase morri de emoção no primeiro gol: um golaço do saudoso e querido Nado, um excepcional jogador, de seleção brasileira, ponta-direita pernambucano que virou eternamente meu ídolo, num lance em que ele foi driblando vários jogadores rubro-negros desde a lateral direita até a meia-lua da grande área, quando, de canhota, soltou um violentíssimo “pombo sem asas” no ângulo esquerdo do excelente goleiro rubro-negro Marco Aurélio, que deu um voo espetacular, sem, contudo, conseguir alcançar a bola, o que só serviu para aumentar ainda mais a beleza plástica e a emoção do gol. A torcida do Vasco explodiu, eu explodi, chorei à beça também no segundo gol, feito pelo “Espanador da Lua”, nosso não menos querido Valfrido. A torcida rubro-negra se calou, a do Vasco tomou conta da arquibancada, numa festa incrível. Voltei para casa com a alma lavada. O Rubro-negro, que era nosso freguês, perdeu mais uma!
É com esse sentimento que a torcida vascaína deve invadir o Maracanã nestes dois próximos domingos, empurrando seu time, com total confiança no coração, porque eles é que têm de nos temer, sabendo que somos o Vasco, que não há clube no mundo como este. Lembrem-se destas saudosas palavras de meu pai: “venceremos porque o Vasco é o maior!”. O Vasco é o bem. O Vasco é aquele que vence, contra tudo e contra todos.
Que Fred e outros tão pouco importantes quanto ele lavem suas bocas antes de falar do Vasco. Não têm moral nem estatura para isso. Calados! A mídia, como sempre fez e faz, tenta colocar a opinião pública e a arbitragem contra nós, e justamente na semana decisiva contra o seu queridinho. Fiquemos de olho no Rabelo (não no dos tricolores, mas no comandante dos árbitros, pois aí está o grande perigo; repetindo o que foi dito pelo grande Luiz Cosenza no programa da rádio: alguém aí viu o Flamengo ser prejudicado até aqui em alguma partida do campeonato? O contrário aconteceu por várias vezes, basta que se revejam vários lances. Não se enganem; eles estão com aquela postura tradicional deles: se o Vasco for campeão, só o foi porque os árbitros o ajudaram, e eles estão de mal com a federação. Agora, se a praga fosse campeã (o que não será), diriam: “vencemos contra tudo e contra todos!”. Ora, ora, ora, são uns malandrinhos, não são? Podem enganar a outros, especialmente seus torcedores, entretanto não enganam aos vascaínos). Venceremos facilmente as duas partidas contra a “praga”.
E, depois, tomara que peguemos o Tricolor na finalíssima. Sei que o mocinho estava tentando, além de desviar o foco, se esconder da responsabilidade, para dizer que a não classificação do seu time não fora culpa sua, já que estava fora, mas agora que a Deusa Fortuna os empurrou à frente, não vai dar para escapar desta vez: se passar pelo Botafogo, Cone Laranja, você vai ter de jogar contra nós, e vai perder novamente, como sempre. Vai ser uma delícia. Contra as moçoilas tricolores, até com o mirim o Vasco vence. E isso foi dito a mim por um inconformado tricolor amigo meu, após mais uma inevitável e insuportável derrota para nós. Eles se borram contra o Vasco.
O Vasco é e sempre foi o maior de todos. O Vasco é o mais lindo de todos, dono do único manto verdadeiramente sagrado que há. Ainda maior ele fica quando tem à sua frente pessoas que o amam de verdade. Com tais pessoas a comandá-lo, não tenho dúvidas em meu coração, seu gigantismo, recentemente submerso, vem à tona novamente com toda a sua força e pujança.
Que os rubro-negros coloquem desde já suas barbas de molho, pois o espírito sagrado contido nas palavras de meu pai está de volta. O Vasco vencerá porque é o maior! No fundo, eles sabem disso.
Bem, amigos, a emoção toma conta de mim neste exato momento. Não dá mais. A saudade invadiu meu coração sempre infantil. Afinal, sou Vasco.
Paro por aqui o texto. Um forte e fraterno abraço em todos os verdadeiros vascaínos.
Mas reitero, quantas vezes forem necessárias:
Com Eurico e Casaca! Sempre! Porque estes amam verdadeiramente o Vasco! Por um Vasco sempre vencedor e gigante!
Saudações Cruzmaltinas!!!
Dudi Carvalho