A decisão da diretoria do Vasco da Gama de manter o clássico contra o Flamengo no Maracanã, mesmo após obter liminar judicial que autorizava a realização do jogo em São Januário, escancarou de vez a fragilidade institucional, a incoerência estratégica e a incapacidade de sustentar o discurso de enfrentamento que vinha sendo propagado até então. Liderados por Carlos Amodeo, CEO da SAF, e por Pedrinho, presidente do clube associativo, os dirigentes vascaínos optaram por recuar num momento chave e, pior, fizeram isso tentando justificar sua escolha com argumentos questionáveis e agora, oficialmente, desmentidos.
Durante dias, a diretoria do Vasco alimentou um discurso firme: o clássico seria em São Januário. A torcida, mais uma vez, fez sua parte. Comprou a briga, mobilizou-se nas redes sociais e nas ruas, exigiu respeito ao seu direito de mando e, por fim, recorreu à Justiça. O resultado foi claro: uma liminar favorável, conquistada por torcedores, garantiu ao clube o direito de jogar em sua casa. A expectativa era de que o clube, enfim, afirmasse sua autonomia.
Mas, em um movimento surpreendente e contraditório, o Vasco optou por manter o jogo no Maracanã. Em seguida, anunciou a adesão a um suposto acordo com o Consórcio do Maracanã (administrado por Flamengo e Fluminense) como justificativa para essa escolha. A diretoria tentou vender essa adesão como conquista, alegando que agora o clube teria garantias para utilizar o estádio em “igualdade de condições”. No entanto, a narrativa desmoronou horas depois, quando o Fluminense, por meio de nota oficial, desmentiu qualquer acordo com o Vasco para que este integrasse a gestão do consórcio.
“A posição do Fluminense segue a mesma: o Vasco não faz parte do consórcio”, afirma a nota publicada pelo clube tricolor, deixando evidente que, mais uma vez, o Vasco construiu sua justificativa em cima de um castelo de areia.
Como se não bastasse, o Flamengo também emitiu comunicado oficial reforçando que não há qualquer novo acordo ou entendimento com o Vasco em relação à gestão ou utilização preferencial do Maracanã. A nota reiterou que o estádio segue sob administração exclusiva do atual consórcio e que qualquer solicitação de uso será tratada caso a caso, como sempre foi. Ou seja, a tentativa da diretoria vascaína de apresentar uma suposta conquista institucional ruiu também diante da negativa do outro integrante do consórcio, evidenciando que a promessa de “igualdade de condições” não passa de retórica vazia.
Não bastasse abandonar a luta por São Januário no momento em que poderia vencer, a diretoria ainda tentou legitimar sua decisão com base em um acordo que sequer existe de fato ou, se existe, não conta nem com a anuência dos principais membros do consórcio.
A incoerência é gritante. A postura é indefensável. Pedrinho, que vinha sendo visto como uma figura política alinhada à tradição vascaína e ao sentimento da arquibancada, compactua agora com uma manobra que esvazia a identidade do clube e despreza sua torcida. Já Carlos Amodeo reforça a imagem de um gestor tecnocrata, alheio ao peso simbólico e histórico de jogar em São Januário um clássico de tamanha importância.
Não se trata apenas de onde o jogo será disputado. Trata-se do que o Vasco quis representar e do que decidiu se tornar. Ao optar pelo Maracanã, mesmo com amparo judicial para jogar em casa, o clube se colocou ao lado de quem sempre lhe impôs barreiras. Ignorou a vontade popular, desprezou a história e, ainda por cima, tentou camuflar sua rendição sob a promessa de um benefício institucional que sequer se concretizou.
A decisão, além de expor o desprezo pelo torcedor, alimenta uma narrativa de submissão aos interesses de Flamengo, Fluminense, da CBF, do BEPE e da imprensa esportiva que sempre tratou o Vasco como corpo estranho ao sistema. O que era para ser um ato de afirmação virou um gesto de capitulação.
O Vasco perdeu uma chance única de mostrar força, de ocupar seu espaço, de dizer: “aqui é nossa casa”. Em vez disso, preferiu agradar ao sistema e ainda tentou mascarar a escolha com promessas vazias. O clássico será no Maracanã, sim. Mas o que realmente estará em campo será a frustração de uma torcida traída e a certeza de que, quando teve a oportunidade de agir com grandeza, a diretoria vascaína preferiu se esconder atrás de um acordo que, segundo Flamengo e Fluminense, nem existe.
Tiago Scaffo