Eram tempos estranhos aqueles.
Por mais que o torcedor visse uma coisa no campo, era induzido a chegar a outras conclusões fora dele.
Naquele primeiro semestre de 1997 o Vasco era sistematicamente ridicularizado pelo jornalista Renato Mauricio Prado em sua coluna do jornal “O Globo”.
Numa enquete encerrada em maio disse ele que o pior técnico do Brasil disparado era Antônio Lopes na opinião dos internautas. O mesmo Lopes afirmara em fevereiro que o Vasco em seis meses seria o melhor time do Rio. Quem viveu, viu.
Até aquela data o Botafogo fazia um belíssimo campeonato, enquanto o Vasco tropeçara em vários jogos. Já perdera duas vezes para o Flamengo, três para o próprio Botafogo, além de ter sofrido um revés diante do Americano, em Campos, enquanto o alvinegro se mantinha invicto, embora no terceiro turno, composto por seis equipes, tivesse a mesma campanha do Vasco té ali: uma vitória e dois empates.
O líder do turno era o Fluminense, com duas vitórias e um empate. O Flamengo já estava praticamente fora com apenas um ponto ganho em três jogos e na iminência de levar um w.o. por não ter comparecido para enfrentar o Americano em Campos. Coisas da Liga Carioca, que questionava o estadual, tentava sabotá-lo e fazia os próprios clubes pertencentes a ela pagarem micos de mãos dadas com a entidade.
O tricolor defendia a liderança contra o Americano, nas Laranjeiras, e caso vencesse decidiria com o Botafogo na última rodada precisando do empate, a não ser que o Vasco fosse o vencedor do clássico de sábado.
Era a chance derradeira da equipe de São Januário chegar à final do estadual. Após empatar com o Americano em casa na estreia e arrancar um empate diante do Fluminense no Maracanã em 2 x 2 – quando esteve duas vezes atrás do placar e após o segundo empate no jogo teve um jogador a menos nos 15 minutos finais – uma excelente atuação diante do Bangu, goleado por 4 x 0, fez renascer as esperanças de todos em São Januário pela conquista da vaga na final.
Pedrinho, que havia estreado no time de cima do Vasco há um ano e meio, começava a despontar como grande revelação vascaína e estava escalado no ataque ao lado de Edmundo. Os meias ofensivos eram Juninho e Ramon, sendo o último um dos destaques do elenco no estadual, no gol o time contava com a segurança de Carlos Germano e nas duas laterais havia jogadores de peso: Pimentel, considerado o melhor da posição na competição, e outra cria de São Januário, Felipe. Se um dos volantes vascaínos era o incansável Luisinho, as duas outras opções para a posição não agradavam: Fabrício e Cristiano. Mas o problema maior para muitos era a zaga, constituída por Tinho e Alex, atletas formados no clube, mas pouco aceitos pelos vascaínos dada a grande expectativa criada na época dos juniores.
Já o Botafogo do centroavante Sorato, ex-Vasco, possuía no contexto do estadual simplesmente seis jogadores entre os melhores do certame. Vagner, Gonçalves, Marcelinho Paulista, Ailton, Djair e Bentinho. Além dos citados o clube contava com o experiente Jorge Luís, ex-Vasco, na zaga e Pingo, atuando como volante. O ponto fraco do time era a lateral. Wilson Goiano pela direita não convencia e Jeferson, que também pertencera ao Vasco, mas por empréstimo, em 1995, não atuava de forma destacada já há algum tempo. No banco Joel Santana, vindo de um pentacampeonato estadual (1992/93 Vasco, 1994 Bahia, 1995 Fluminense, 1996 Flamengo). Estava ele com a bola toda na época.
À tarde, com um público pagante de 5.329 pessoas nas Laranjeiras (dois terços da capacidade do estádio tomados), o Fluminense teve tudo para se isolar na liderança. Atuou com um a mais em campo por toda a segunda etapa (o volante Leonardo do Americano foi expulso no intervalo), saiu na frente, mas permitiu o empate da equipe campista com um gol do até então desconhecido Odvan. O empate criou um clima tenso no clube. Muitos imaginavam que o tricolor havia jogado fora suas chances na competição com aquele resultado.
O empate do Fluminense à tarde punha o Vasco em situação bem melhor na tabela. Caso vencesse pela contagem mínima praticamente eliminaria o Botafogo e ficaria com um saldo superior em dois gols ao adversário, que vencera o Bangu por 2 x 1, empatara com o próprio Vasco em 2 x 2, derrotara o Flamengo por 2 x 0 e tropeçara à tarde diante do Americano, como citado.
O jogo
A partida começou truncada no meio campo. O time de Antônio Lopes avançava Ramon para jogar próximo a Pedrinho e Edmundo e contava com subidas constantes do lateral Pimentel, mas tinha ainda no talento de Juninho uma grande opção para a armação das jogadas. O Botafogo, escalado com seu quadrado tradicional de meio, Pingo, Marcelinho Paulista, Ailton e Djair, era mais transpiração que inspiração. Contava na frente com o talento de Bentinho e o oportunismo de Sorato para definir o jogo, além da segurança de sua zaga, formada por Gonçalves e Jorge Luís para evitar o vazamento da cidadela defendida por Vagner.
Aos 9 minutos do primeiro tempo Juninho lança Pimentel na área que é empurrado no peito por Jeferson, mas o árbitro Álvaro Quelhas nada marca.
Aos 19, entretanto, outra penalidade ocorrida a favor do Vasco foi desta vez assinalada. Edmundo cruzou rasteiro da direita, buscando Pedrinho na área. Djair se antecipou na jogada, mas acabou por atrasar no fogo para Vágner, que sem poder tocar a bola com as mãos a rebateu na dividida com Pedrinho. O jovem talento vascaíno ficou com a posse da redonda, driblou Vágner e foi derrubado. Pênalti claro. Na cobrança Edmundo chutou no canto esquerdo de Vagner, que praticou a defesa salvando seu time na ocasião.
Aos 22 Pedrinho é lançado na esquerda, avança até a área, ganha de Wilson Goiano e chuta cruzado, já próxima da pequena área, mas erra. A pelota sai por cima da meta alvinegra.
Aos 29 finalmente o Botafogo concretiza uma jogada de perigo ao gol adversário. Jéferson vai ao fundo, pelo lado esquerdo, cruza por baixo e Carlos Germano divide com Sorato. No rebote a bola fica com o vascaíno Fabrício que é derrubado na área cruzmaltina, em falta marcada.
No minuto seguinte outra grande chance de gol para o Gigante da Colina. Edmundo lançou Pimentel, que invadia a área. Jéferson tentou o corte do passe, mas só conseguiu resvalar na bola. A gorduchinha sobrou à feição para Pimentel arrematar, mas o lateral atirou por cima, pela linha de fundo, perdendo ótima oportunidade de abrir o marcador.
Aos 33 Pimentel lançou Juninho na esquerda em posição legal, mas o bandeira marcou impedimento de Juninho, prejudicando o Vasco.
Aos 41 a melhor chance do Botafogo na etapa inicial. Jéferson tentou lançar na área, mas no meio do caminho Pimentel interceptou o lance em corte parcial. Fabricio tentou alcançar a bola, mas esta acabou sobrando para Ailton, que lançou Sorato livre na direita, já dentro da área. O artilheiro avançou e tentou o chute por baixo de Carlos Germano, mas o goleiro conseguiu defender com os pés e ainda encaixar a bola no rebote.
Já nos acréscimos da primeira etapa outra chance de ouro para o Vasco. Juninho e Pimentel manobram pela direita e já dentro da área o meia serve ao lateral, que cruza para trás na direção de Edmundo. O “Bacalhau” bate de primeira e acerta o travessão, para sorte do Botafogo. Parecia mesmo ser difícil tirar a invencibilidade alvinegra naquele campeonato.
Na volta do intervalo Joel Santana afirmou a um repórter ter faltado vibração à equipe dele na etapa inicial. O Vasco fora, de fato, muito mais insinuante no período inicial.
Aos 11 minutos do segundo tempo Ailton faz lembrar o gol do título contra o Flamengo, marcado dois anos antes num Fla x Flu épico, no qual saíra como herói. Contra o Vasco o meia recebeu na direita, desvencilhou-se de Fabricio e arrematou de esquerda (que não era a perna boa). Talvez por isso o chute tenha saído mascado, facilitando a defesa de Carlos Germano.
Aos 19 Pimentel recebe próximo à linha divisória e avança pela direita. Já próximo à área toca para Edmundo. Gonçalves tenta o corte, mas só consegue um toque de leve na pelota, que chega ao “Bacalhau” na direita. Ele cruza, a bola passa por Ramon no meio, mas sobra para Pedrinho na esquerda, que ajeita e já próximo à pequena área fuzila Vágner, inaugurando o marcador.
A partir daí o Botafogo vai para cima sem medir consequências. Joel tira o lateral Wilson Goiano e põe em seu lugar o centroavante Dimba. Era tudo ou nada.
Aos 25, em córner da esquerda, a zaga vascaína afastou, mas Jorge Luís, de puxeta, levantou novamente à boca da meta e Dimba, meio de lado, cabeceou por cima quando estava livre para concluir.
Aos 27 Ailton lançou Dimba pelo lado direito em boa posição, mas o mesmo bandeira, responsável pela anulação de um lance legal do ataque vascaíno no primeiro tempo, errou de novo, desta vez contra o Botafogo.
Aos 30 em novo escanteio para o time da estrela solitária, Bentinho toca com o peito para o centro da área e acha Dimba, que chega a arrematar, mas, meio desequilibrado na hora do arremate, conclui fraco para fácil defesa de Carlos Germano. No lance, porém, a chiadeira alvinegra é geral. Os jogadores reclamam com o árbitro uma falta de Fabrício em Dimba dentro da área, no exato momento em que o atleta fazia o arremate. Pareceu, de fato, pênalti, porém nada foi marcado novamente.
Dois minutos depois um entrevero na lateral esquerda, campo de defesa do Vasco, entre Felipe e Ailton, ocasionou a expulsão de ambos. As duas equipes jogariam os 13 minutos finais com um homem a menos em campo.
Aos 40 Juninho e Edmundo fizeram a diferença. O meia executou um lançamento de 30 metros para o atacante, que se infiltrou por trás da defesa adversária, invadiu a área, chamou Jorge Luís para o drible, passou como quis pelo zagueiro e arrematou de esquerda, fechando o marcador.
Depois disso, o Vasco tocou a bola e esperou o fim da partida.
Caía o último invicto do campeonato, o time de Antônio Lopes assumia a liderança junto ao Fluminense com 8 pontos ganhos, abria uma vantagem de três gols no saldo contra o adversário (critério de desempate para o título do turno) e teria o Flamengo na última rodada como adversário, mas com o rubro-negro provavelmente sem chance de conquistar o título, se confirmado o W.O. sofrido diante do Americano em Campos.
Ao tricolor restava golear o Botafogo por quatro gols de diferença (venceria por 2 x 1) para tentar igualar o saldo e vislumbrar ganhar o turno pelo número de gols pró, ou simplesmente torcer para o Gigante da Colina tropeçar diante do Flamengo, jogo que acabaria não ocorrendo devido a mais um W.O. sofrido pelo rubro-negro diante de seu maior rival, legítimo campeão daquele terceiro turno, em 1997.
Jornal do Brasil 25/05/1997
O Globo 25/05/1997
O Globo 25/05/1997
Outras vitórias do Vasco em 24 de maio:
CARIOCA 0 X 2 VASCO (CARIOCA 1931)
VASCO 1 X 0 PONTE PRETA (BRASILEIRO 2003)