Coluna do TorcedorColunas
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Em defesa da matemática

 

Números não mentem!

Esse é o slogan, certo?

Mas como todo slogan, ele não é perfeito, ainda mais quando usado sem a devida cautela.

Certo matemático de uma renomada universidade brasileira, claramente não usou do princípio da precaução num caso recente.

Um erro, que pode ser considerado até ingênuo, foi cometido.

Causado talvez pela ânsia de defender uma tese, talvez pela falta de conhecimento.

Independente do motivo, a coitada da matemática não precisava ser metida nessa confusão e ainda mais desse jeito.

Certa eleição apresentou seu resultado em diferentes urnas. Uma urna continha os votos de determinado período cronológico. As outras continham os demais votos distribuídos de maneira aleatória em relação a cronologia.

Pois bem, dito economista, formulou uma conclusão baseado no fato que a percentagem de votos observada na dita urna especial diverge enormemente da proporção observada nas outras urnas. Chegou-se a dizer que a probabilidade de isso ocorrer seria mais difícil do que ganhar na Mega-Sena.

Quem dera ganhar na Mega-Sena fosse fácil assim!

A verdade é que não se pode inferir matematicamente tal conclusão da comparação de amostras retiradas da mesma população, mas que foram selecionadas de maneiras distintas e sem conhecimento prévio sobre as suas respectivas distribuições de probabilidade. Pior ainda quando a amostra não aleatória, a urna em questão, tem como processo de seleção uma variável altamente correlacionada com a própria decisão de voto.

Deixa eu explicar o motivo disso tudo com um exemplo muito mais claro e próximo do cotidiano dos cariocas.

Suponha que alguém queira encontrar a proporção existente entre as etnias dos moradores da cidade do Rio de Janeiro.

Com esse intuito faz-se o seguinte experimento, cada pessoa moradora de cada bairro do Rio de Janeiro deve colocar na urna do seu bairro um voto que contém a cor da sua pele.

Sendo o número de votos grande o suficiente, ao fim da votação somando-se os votos de todas as urnas da cidade obteremos uma aproximação significativa da proporção de brancos, negros, amarelos, pardos e indígenas da população.

Até aí a estatística é perfeita.

Agora suponha que os moradores dos bairros do Leblon e da Gávea votaram em uma urna separada.

Você como um leitor inteligente já deve entender a que ponto quero chegar.

Os resultados dessa urna são claramente muito diferentes do resultado final. Mas porquê?

Será que todo o estudo sería inválido por causa dos resultados dessa urna?

Teríamos que anular os resultados dessa urna “manipulada” e contabilizar a etnia da população sem esses valores?

É verdade que é mais fácil ganhar na Mega-Sena do que o resultado dessa urna ser verdadeiro?

Que resposta você daria a todas essas perguntas?

Adoraria que ao menos a resposta à última pergunta fosse verdadeira, mas ficar rico da noite pro dia não é tão fácil assim como você já deve saber.

É claro, óbvio, evidente, manifesto que, como uma pessoa inteligente, a resposta que você deu a todas as perguntas acima foi um lindo e sonoro NÃO.

Mas por que os resultados tão diferentes da “urna da zona sul” fazem total sentido nesse caso?

É lógico! Simplesmente porque você está familiarizado com a relação existente entre o lugar de moradia das pessoas de maior poder aquisitivo do Rio de Janeiro e a sua etnia. Em termos estatísticos, essa urna não apresenta a mesma distribuição de probabilidades de votos que as urnas do resto da cidade.

A amostra da população contida nessa urna foi realizada de maneira discricionária através de um critério que apresenta alta correlação com o resultado do voto. Em outras palavras, existe uma alta correlação entre a etnia e o lugar de moradia no Rio de Janeiro, assim como existe entre a condição econômica de um país e o índice de aprovação do governo, ou sobre a inclinação política em um clube de futebol e a cronologia da associação.

Por esse exato motivo, o cálculo realizado pelo matemático é errado por princípio.

A probabilidade da urna em questão ter tamanha diferença de votos em relação às outras urnas pode ser até mesmo muito mais próxima de 100% do que da advogada probabilidade menor do que ganhar na Mega-Sena.

Isso ficou tão claro no exemplo de etnia descrito acima, como também deveria ser em uma análise isenta dos votos da eleição do clube em questão.

A verdade é uma só, é impossível calcular essa probabilidade sem conhecimento da distribuição de probabilidade entre a data de associação e a correspondente inclinação pelo voto em determinados candidatos do clube. Mais importante ainda, esse dado é impossível de ser auferido em eleições de voto secreto.

No fim, se a origem desse erro estatístico vem da falta de conhecimento, é lamentável que tenha sido propagado dessa maneira.

Se o erro foi cometido pela vontade de defender uma tese, é temerário perceber que tais resultados possam ser usados num processo legal sem o devido cuidado.

A única verdade nisso tudo é que o método usado e as conclusões obtidas sofreriam uma rejeição primária em qualquer processo de “peer review” de uma revista conceituada. Na verdade, as conclusões publicadas por veículos de informação de alta circulação justificariam até uma reprovação em cursos de estatística de nível universitário.

Mas voltando ao mais importante, não estou aqui para defender o Júlio, o Eurico, ou o Horta.

Só escrevi esse artigo para defender quem não tem culpa de nada e não pode se defender.

Coitada da Matemática ser difamada assim!

Renato Rodrigues

Currículo:

  • PhD in Electric Power Systems – Universidad Pontifícia Comillas (Madrid, Spain)
    (2010-today)
  • Master in Electric Power Systems – Universidad Pontifícia Comillas (Madrid, Spain)
    (2008-2010)
  • Master in Industrial Economics – Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ, Brasil)
    (2005-2007)
  • Graduated in economics – Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ, Brasil)
    (2000-2005)

 

29 comentários sobre “Em defesa da matemática

  1. L
    Caro Renato,

    Primeiro, nossas desculpas pela ausência de resposta imediata. Temos recebido muitas mensagens e nem sempre é possível conciliar nossos compromissos profissionais com a dinâmica do site.

    Em segundo, nossos profundos agradecimentos pelo excelente e esclarecedor artigo.

    Como eu cheguei a mencionar em texto recente, a comparação é um absurdo, na medida em que colocaram no globo do sorteio que “contemplou” Eurico somente as seis bolinhas que viriam a ser “sorteadas”.

    Um abraço.
    João Carlos Nóbrega

  2. O texto de Renato Rodrigues é elucidador na abordagem perfeita da avaliação da amostra utilizada pelo “matemático” equivocadamente, e esclarece didaticamente a correta aplicabilidade da inferência estatística do caso em questão.
    O “maUtemático” partiu de uma premissa pré moldada e engessou o desenvolvimento da tese equivocada para tentar confirmá-lá.
    Algo ridículo e merecedor de ser incluído no anedotário da estatística!

  3. Só há uma resposta: autoritarismo! Pior do que na ditadura militar. Eu não estou falando das eleições vascaínas e sim dos exemplos logicamente desenvolvidos pelo dr. Renato…

  4. Assim como na sagaz campanha do Casaca em 2013 (http://www.netvasco.com.br/n/124542/casaca-promoveu-campanha-de-associacao-ao-vasco-e-regularizacao-de-situacao) amplamente divulgada e depois do sucesso seguida por outros grupos, também se fossem separados em uma urna daria tranquilamente Eurico em grande maioria. E ainda chamaram de mensalão ( claro só para o Eurico). Mas o ilustre matemático irá morrer de vergonha com os comentários se este artigo aparecer no Netvasco tal a qualidade dos comentaristas.

  5. Resultado imutável , não serão 3 moleques, a globo, oportunistas e uma juíza que não teve calma nem critério que vão mudar as eleições . Passem amanhã!

  6. Nesse período de associação ter maioria do Eurico é simples. Enquanto administração fazia e faz campanha para associação, a oposição fazia e faz campanha de não associação. Basta ver no Forum Netvasco.

    Então é natural que durante a administração do Eurico quem se associe tenha como interesse votar nele.

  7. Entre nós, a torcida merece a volta do MUV.

    Os sócios que voltaram no Brant também.

    O Vasco que não merecia isso.

  8. Sempre prazeroso quando o bloco do Casaca samba na avenida, mediante os blocos de sujo que procuram ir para a apuração com seus juízes comprados e quem tem dificuldades para fazer contas simples.

    O fato é que o matemático foi uma figura arranjada quanto tantas outras, para vir a público (não sabemos por qual cachê), para iludir uma opinião pública fraca que não suporta uma prova simples de ensino básico

    Da mesma forma que os 22 ADEVOGADOS do Brant estão explicando sobre andamento processual para nossa idônea mídia, tudo de grátis.

    Apenas espero que toda essa documentação branca seja resolvida com rapidez, porque diversos prejuízos a coisas do agora e aos planejamentos futuros já começam, acredito, a ficarem comprometidos minimamente.

    Parabéns Renato Coutinho e obrigado por estar junto.

    NCosta

  9. Obrigado pelas respostas.

    Esse caso relativo ao CRVG só ressalta um problema em potencial no judiciário brasileiro que excede a discussão sobre o poder de se “criar notícias” sem a devida análise de sua veracidade ou possíveis consequências.

    O foco do artigo que escrevi acima é destacar a temeridade que uma análise tão erroneamente fundamentada possa ser utilizada como argumentação para determinar o resultado de um processo judicial.

    É claro que o CRVG e seus advogados, uma vez garantido o direito de ampla defesa, tem total capacidade de refutar tal argumento débil. Porém, é calamitoso imaginar que um juiz possa pautar uma decisão judicial em uma análise tão superficial e errada desde sua fundamentação.

    Imaginem o número de pessoas sem os meios de defesa ou o conhecimento necessário para refutar análises similares que se vêem afetadas por decisões judiciais similares todos os dias na nossa sociedade.

    Isso é algo a se temer que excede em muito a esfera da escolha por qual clube de futebol torcer!

    PS: Uma pequena correção ao curriculum postado, já finalizei o doutorado (PhD) citado (a palavra “student” pode ser removida do texto).

  10. Maria Dias. Parabéns Dr. Renato. Suas palavras me enchem de orgulho. Sua capacidade matemática é exemplar. Forças Eurico e muitas vitórias para nosso Vasco.

  11. Parabéns Dr. Renato por sua capacidade matemática. Você me enchem de orgulho. Forças Eurico. Muitas vitórias vascainas.

  12. Imaginem voces a repercussão disso se fosse o Eurico a utilizar tão catatrofico resultado matemático? O que não estaria dizendo a mídia “imparcial”?

  13. Obrigado Doutor Renato Rodrigues por sua análise ampla, didática e imparcial. Sou Advogado, mas infelizmente, isso que o Doutor falou sobre decisões superficiais prolatadas pelo judiciário sem conhecimento de causa são constantes e trazem muita injustiça vinda de quem deveria primar pela justa decisão.

    1. Sem dúvida, Dr. Sérgio Luis.

      Compareci recentemente, como Preposto, a uma audiência trabalhista.
      E a MM. Juíza não sabia que a empresa enquadrada no Simples Nacional não paga a contribuição patronal previdenciária na forma do código de recolhimento 2100 – onde a empresa paga um percentual sobre a folha de pagamento. Ou, sobre o salário de cada empregado.
      E sim pelo 2003 – onde recolhe, como fiel depositária, na guia específica do INSS, a GPS, a parte que é descontada do(s) empregado(s).
      Desta forma, ela, a MM. e o Contador Judicial (que também lançou o cálculo) condenaram meu cliente ao recolhimento – indevido – de tal verba.
      Como o advogado que representava a empresa não se pronunciou a respeito chamei a atenção da MM. explicando a forma correta de assim a empresa recolher sua parte previdenciária: ela é feita dentro do recolhimento da DAS. Um percentual da alíquota que norteia o recolhimento mensal sobre o faturamento bruto das empresas diz respeito à contribuição previdenciária.
      Ela matutou e perguntou: Ah é?
      Sim Excia., respondi.
      Então o senhor recorra quando a empresa receber a guia de cobrança do INSS – respondeu.

      Mesmo que eu não tivesse comparecido a tal audiência como Preposto a empresa não seria penalizada indevidamente por tal erro de uma instituição que ao meu ver deveria saber todas as nuances que cercam as causas trabalhistas, inclusive a parte que diz respeito aos impostos. Meu cliente não pagaria tal guia de cobrança sem antes me consultar.

      Daria no mesmo. O que não deveria acontecer era esta sentença.

  14. Renato,
    o atuário citado é dos tais que afirmam que se uma pessoa come duas galinhas e outra não come absolutamente nada, na média, nenhum do dois passa fome.

  15. porque nao teve o programa ontem? gente tou muito preocupado, pois nao temos nenhuma noticias sobre a liminar que fora concedida para os muviaotarios…

  16. A Globo prepara agora uma matéria com a mãe Diná e o João Bidu. Quem sabe eles não possam dizer o futuro da urna 7?
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  17. Esse matemático é aquele que afirmou que numa empresa de 2 sócios que dividem o lucro , se o rendimento for zero , o resultado é metade de zero para cada um.
    O cara é um gênio !

  18. Meu caro Renato Rodrigues, em verdade infelizmente já estamos vivendo um Estado de exceção, e o nosso Judiciário é uma das pontas do poder… o sistema tai, eles conseguiram destituir uma Presidenta da República, não vão conseguir destituir um presidente de um clube de futebol… isso pra eles é mole, e a torcida do Vasco bate palmas, não faz nada… aos pouco vou deixando de acompanhar o futebol, podridão pura.

  19. Fico feliz em ver seu texto, Renato, simples e acessível até mesmo ao leigo em matemática. Comentei com meu irmão, após receber do Sérgio Frias o post original, que a falta do fundamento matemático era notória e risível. Tinha planejado escrever uma mensagem aqui, mas a rotina corrida acabou me impedindo. Que bom que você o fez, de forma clara e competente. Vou dar meus dois centavos de contribuição ao assunto abaixo.

    Na tal reportagem, utilizou-se um teste de hipótese na análise dos dados da já famosa urna 7. Trata-se do bê-a-bá da inferência estatística. Utiliza-se o teste para rejeitar a “hipótese nula”, ou seja, descartar a possibilidade dos dados não serem correlacionados. A probabilidade muito baixa entre proporção de votos na chapa da situação na urna 7 e a mesma proporção em toda a eleição descarta a hipótese nula.

    Deixando de lado agora a matemática, muitas vezes um tanto abstrata, o tal resultado de baixa probabilidade apenas demonstra o óbvio: a urna 7 era diferente das demais. O critério para selecionar os nomes constantes da lista é essencial aqui.

    Neste ponto, destaca-se a nossa sempre infalível imprensa – infalível no sentido de que a gente sabe exatamente o que esperar, quando se trata de Vasco (e outros assuntos também). Lá, no início da reportagem, comenta-se que o cálculo é feito assumindo-se escolhas aleatórias na urna 7. Esse detalhe é essencial, pelo exposto no texto deste post. Daí por diante, o autor da reportagem mistura a habitual má fé com uma dose cavalar de ignorância matemática para chegar à conclusão de sempre.

    O problema é que, em tempos em que Hegel e Engels são confundidos, alguém pode ler Bernoulli na reportagem, achar que se trata de nosso capitão imortalizado na estátua do Maracanã e concluir que é um sinal claro de que a culpa é do Orico.

    Abraços cruzmaltinos!

  20. A verdade precisa prevalecer!!Parabéns por mostrar que a matemática tem várias variáveis e nem sempre é algo sistemático e engessado…Só digo uma coisa; no final o bem, sempre vencerá o mal..E pra nossa sorte, outras contas serão pagas!

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